A história de um improvável amor

A história de um improvável amorPrimeira Parte

Morgana e Felipe não tinham nada a ver um com outro. Ela, com seu jeito descolado e suas roupas um tanto espalhafatosas, mais parecia a personagem secundária de um livro “pulp” que ainda ninguém escrevera. Ele, por sua vez, estava mais para o futuro fundador de uma Startup de tecnologia (sua cabeça era uma colcha de retalhos formada por algoritmos e séries nerd).

Ela tinha 17; ele, 22.

Morgana estudava inglês e lia romances água com açúcar só para criticar na internet a superficialidade daquelas estórias escritas a toque de caixa para vender ilusões e protestar sobre o de que eram absurdamente recheadas de inverossimilhanças.

Felipe, por sua vez, praticamente só pensava em ter uma grande ideia para um aplicativo que revolucionaria o modo como as pessoas enxergariam o mundo, o universo e tudo mais. (Verdade que ele perdia um tempo demasiado e precioso tentando entender qual era a verdadeira explicação para o mecanismo que fazia o Superman voar.)

Em resumo: Morgana e Felipe eram duas pessoas totalmente diferentes, opostas, sem nada em comum a não ser o fato de que eram humanos, brasileiros, e viviam na mesma cidade. E só mesmo alguma força estranha e inexplicável e que estivesse por trás do mecanismo de translação que faz a Terra girar é que seria capaz de uni-los numa história de amor.

Mas, não há como negar, existe mesmo uma força estranha e inexplicável por trás do funcionamento do universo. Alguns a chamam de destino; outros, de acaso. O fato inegável é que essa força, sabe-se lá com qual intenção, tratou de agir para unir esses dois jovens em matrimônio. Ou algo perto disso.

Os dois jovens, que viviam em bairros opostos, e tinham hábitos e horários diferentes, encontram-se por acaso (ou força do destino, como já disse) numa certa manhã de Sábado. O local escolhido pela tal força estranha foi um sebo.

O lugar era um dos preferidos de Felipe. Era um dos três aonde ele se sentia seguro e protegido. Os outros dois eram sua cama e o computador, entre códigos, algoritmos e “space operas”.
Ali entre livros, e revistas antigas, Morgana e Felipe se esbarraram pela primeira vez.
Foi um encontro rápido, mas é impossível negar que algo aconteceu. Uma fagulha, talvez.

Nada que fosse capaz de incendiar.

Mas algo. Pequeno, ainda.

No corredor estreito, cheiro de mofo e papel velho adentrando suas narinas, eles se esbarraram. Parte do antebraço dela roçou o dorso da mão dele. Os olhares se cruzaram rapidamente, e eles sorriram um para outro. Por um momento pareceu que algo aconteceria.

Mas:
Ela olhou para as mãos dele segurando o exemplar surrado de um gibi antigo com um herói na capa e não conseguiu evitar pensamentos preconceituosos em relação à revista.

Morgana pensou algo como “que cara esquisito, tão velho lendo um gibi de criança”.

Com Felipe não foi muito diferente. Ele olhou para Morgana e reparou como ela era bonita, ainda que estivesse segurando um romance água com açúcar intitulado algo como “Amor ardente em Veneza” ou “Nos braços ardente da paixão”, ou qualquer coisa parecida.

Por um instante, poderíamos dizer que o amor, a paixão, ou algo assim, se fez presente. Acho que algum deles dois esteve ali. Mas talvez estivessem cansados. Talvez não tivessem levado fé nos dois jovens e no potencial para uma história de amor.

(Tenho lá as minhas teorias e acredito que, às vezes, o peso dos preconceitos é tão grande nas pessoas, que elas não enxergam o mundo à sua volta como ele, e ficam perdidas em explicações e desculpas para não enxergar a verdadeira essência das coisas.)

O fato é que nada mais aconteceu naquele dia.

Cada qual seguiu o seu caminho no mundo.

Morgana comprou uma dúzia de romances água com açúcar pagando um real cada.

Felipe levou pra casa o exemplar raro e bem conservado de uma revista do Capitão América desenhada pelo Jack Kirby.

Assim, essa história de amor improvável acabou tropeçando num advento não previsto pelo acaso: o poder do preconceito e dos filtros, às vezes, sombrios de nossas mentes nem sempre sãs.
E o que era pra ser, acabou não sendo.

Mais tarde, cada um no seu canto, mal lembraria daquele encontro fortuito. E lá longe, no futuro, os filhos que viriam a ter, as viagens que fariam, as palavras que diriam, não passariam de possibilidades vagas e jamais concretizadas.

E seria o fim.

Seria.

Só não é porque o destino, o acaso, ou seja lá que força sobrenatural esteja por trás de tudo, decidiu que não existem histórias de amor improváveis.

Existem histórias. E toda história precisa de um começo, um meio e um fim. E isso não é nem o começo.

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